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Ministro Luís Roberto Barroso faz palestra de abertura do Seminário Grandes Temas do Direito Constitucional: Democracia, Clima e Novas Tecnologias
09/12/2024 - Assessoria de Imprensa PGE-RJ
Imagem Carrossel

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A cerimônia de abertura do seminário Grandes Temas do Direito Constitucional: Democracia, Clima e Novas Tecnologias aconteceu na manhã desta segunda-feira, 09/12, na sede da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ). O evento contou com a presença do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luís Roberto Barroso, que, em sua fala, discorreu sobre os temas que fazem parte do seminário e que serão discutidos ao longo do dia. O evento foi organizado pelo Centro de Estudos Jurídicos da PGE-RJ (Cejur) em parceria com o Ministro Luís Roberto Barroso e com a Professora Patrícia Perrone Campos Mello, contando com o apoio da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (Aperj-RJ).

O Procurador-Geral do Estado, Renan Saad, conduziu a cerimônia e destacou a importância dos temas do seminário, que foram escolhidos em parceria com o Ministro Luís Roberto Barroso. 
"Saúdo a todos os participantes da mesa e ao Ministro Luís Roberto Barroso, que dispensa qualquer tipo de apresentação, uma pessoa extraordinária e um dos maiores intelectos do mundo jurídico. E passo a palavra ao Ministro para que plateia possa deleitar dos seus conhecimentos e dos ensinamentos que aqui vamos receber", disse Renan Saad.

Em sua explanação, o Ministro Barroso discorreu sobre os três grandes temas em discussão no seminário.

"Temos três temas complexos dos quais eu mesmo participei da escolha, que são Democracia, Clima e Novas Tecnologias. E vou começar pelo tema que talvez seja o mais impressionante dentro do que está acontecendo no mundo, que é a evolução tecnológica e, dentro dela, a Inteligência Artificial, assunto que tem assombrado a todos nós e que será objeto de outras palestras aqui", destacou o Ministro.

Segundo Luís Roberto Barroso, “a revolução tecnológica é caracterizada pela substituição da tecnologia analógica pela digital, e permitiu a universalização dos computadores pessoais, telefones celulares inteligentes e, sobretudo, a internet conectando bilhões de pessoas em todo o planeta. Vivemos o admirável mundo novo da tecnologia da informação, da biotecnologia, da nanotecnologia, da computação quântica, da internet das coisas. Algoritmo, que é um termo que não conhecíamos até anteontem, vai se tornando o conceito mais importante do nosso tempo. Antes, as empresas mais valiosas do mundo eram aquelas que exploravam petróleo, fabricantes de automóveis e as que produziam grandes equipamentos. Hoje, as empresas mais valiosas são as empresas de tecnologia. As plataformas digitais impactaram nossas vidas, democratizando a comunicação social, o acesso ao conhecimento e abrindo as avenidas também para a desinformação, o discurso de ódio. Ainda estamos lidando com a evolução tecnológica e como regulá-las, protegendo a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, impedindo que o mundo desabe em um abismo de mentiras, ódio e teorias conspiratórias", destaca o Ministro Barroso.

Porém, diante de tantos desafios na área tecnológica, vem o que ele denomina a "quarta revolução industrial", resultante da Inteligência Artificial.

"A Inteligência Artificial vem associada a outros desenvolvimentos que também vão impactar as nossas vidas, que são a Engenharia Genética, a Biotecnologia e a Internet dos Sentidos. Muita coisa nova acontecendo que, provavelmente, vai impactar no próprio significado de 'ser humano' nesse planeta em que nós vivemos. A Inteligência Artificial, de forma simples, pode ser caracterizada como a transferência de capacidades humanas para computadores por intermédio de softwares, alimentada com dados e instruções fornecidas por pessoas humanas, ou seja, a Inteligência Artificial não tem consciência própria ou vontade própria ou discernimento do que é bom ou mau, certo ou errado. No âmbito da Inteligência Artificial, o que tem mais causado surpresa é a IA Generativa, que é essa inteligência capaz de gerar conteúdo, linguagem, texto, som, imagem, vídeo e capaz de interagir com as pessoas humanas. Esse é o momento que estamos vivendo e com o qual estamos aprendendo a lidar", diz Barroso.

O Ministro do STF assinala que, dentre fatos típicos da Inteligência Artificial, está o fato de que a IA poderia ter melhor capacidade decisória por ser capaz de armazenar muito mais informações do que o cérebro humano e, em dadas situações, seria capaz de tomar decisões melhores que indivíduos.

"Toda a nossa civilização foi erguida sobre um pilar que é a autonomia, o livre arbítrio. Cada um faz as suas escolhas. A partir do momento que algumas das principais escolhas existenciais de nossas vidas puderem ser feitas de maneira mais eficiente fora de nós, nós teremos um impacto muito grande sobre valores éticos que faltaram à nossa civilização".

Ele pontuou ainda a vantagem da IA na automação e citou o caso do homem-bomba, autor de um atentado em Brasília, e o fato de que os policiais utilizaram robôs para desarmar bombas encontradas na residência do autor do ato, protegendo assim a vida humana dos policiais presentes à ocorrência.

"São inúmeras as aplicações. Na medicina, por exemplo, a leitura de exames feita por IA, cirurgias feitas com uso de robótica. E uma área muito importante que também será impactada pela IA será a área da linguagem. Estive em um congresso sobre Inteligência Artificial na China e lá os palestrantes falavam Mandarim e, imediatamente, aparecia, em uma tela, uma tradução simultânea, por escrito, em inglês, com elevado grau de qualidade. Portanto, a linguagem deixará de ser uma barreira. Nesse dia, a comunicação vai ser mais eficiente", acrescentou.

Ainda dentro do tema Inteligência Artificial, Luís Roberto Barroso falou sobre o impacto no mercado de trabalho e as mudanças que vão levar muitos empregos a desaparecer, enquanto outros vão surgir. Também destacou os riscos do uso bélico da IA e a utilização indevida em nome da desinformação.

"Uma nova tecnologia produz esse impacto e, naturalmente, vai haver um gap entre a perda e a criação de novos empregos. É preciso estar atento a isso para capacitar as pessoas para ambientes de proteção social. Também há um ponto que a humanidade deve se afligir, que é o uso bélico da Inteligência Artificial. É preciso evitar os riscos destrutivos dessa ação. E há ainda os riscos da desinformação, da deep fake, da falsificação de informações, da violação da privacidade", comentou.

Outro ponto que o Ministro do STF colocou como importante, dentro do tema Inteligência Artificial, é o risco da singularidade, ou seja, os computadores ganharem consciência de si próprios e passarem a ter vontade própria, com os robôs agora tendo mobilidade.

"Parece ficção científica, e cientistas, em estudos, dizem que o risco de isso acontecer é de 10%. Mas esse não é um risco desprezível. É preciso considerar na regulação estes e outros temas da Inteligência Artificial. Na Europa já foi aprovada regulação específica. No Brasil há um projeto em tramitação no Senado. O problema está em regular algo que ainda não conhecemos bem. A velocidade da informação da Inteligência Artificial faz com que até o futuro próximo seja de difícil previsibilidade. E para documentar a velocidade da transformação contemporânea, compartilho aqui algumas informações: o telefone fixo levou 75 anos para chegar a 100 milhões de usuários; o celular, 16 anos, a internet, 7 anos, o CHAT GPT, dois meses. Essa é a velocidade que estamos vivendo. No caso da regulação, em teoria não é difícil. Nós queremos direitos fundamentais que protejam a democracia contra os discursos de ódio e também uma governança que permita o mínimo de previsibilidade humana", assinalou o Ministro.

A respeito do segundo tema do seminário – a Democracia – Luís Roberto Barroso afirmou que a democracia foi 'a ideologia vitoriosa do século XX'.

"Uma ideologia que derrubou o fascismo, o nazismo e os fundamentalismos. A maior parte dos países no século XXI são considerados democráticos. A democracia constitucional é um conceito equiparável a uma moeda com suas duas faces. De um lado, ela significa soberania popular, eleições livres e, do outro lado, significa estado de direito e proteção dos direitos fundamentais. A democracia constitucional é o equilíbrio adequado desses valores, e a maior parte das democracias do mundo tem uma Suprema Corte Constitucional, justamente para o equilíbrio entre as partes. A democracia constitucional vive um momento em que surgem muitas preocupações com o legalismo autoritário, em que o processo democrático sofreu um nível relevante de erosão. Não mais por golpes de estado, mas por líderes populares, eleitos por voto popular. O mundo enfrenta as dificuldades trazidas pelo populismo autoritário e se manifesta mesmo em democracias consolidadas. A democracia é um regime político muito complicado. Mas eu vivi uma ditadura e, creio em mim, é muito pior", afirmou o Ministro do STF.

Sobre o tema Mudanças Climáticas, Luís Roberto Barroso classifica o assunto como uma das questões definidoras do mundo, do nosso tempo.

"Muitos acordos e tratados que temos verificado são de crescimento, de aumento das emissões de gases de efeito estufa, que são a grande causa das mudanças climáticas. O aquecimento global é causado pela presença de gases de efeito estufa na atmosfera. Na fase pós-industrial, somados os desmatamentos e outras ações humanas, houve um aumento exponencial da quantidade de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global. Por isso é preciso fazer uma transição energética dos combustíveis fósseis para os renováveis. Até pouco tempo atrás, tratávamos a questão ambiental de um modo geral como um tempo de Justiça Intergeracional, de compromissos da geração atual com a preservação do planeta para as próximas gerações. Nós agora estamos lidando com problemas que estão acontecendo aqui e agora, violando direitos fundamentais da geração atual. Quem está vendo a mais prolongada seca da história da Amazônia, as queimadas incontroláveis no Pantanal, as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, percebe que o planeta está dando todos os sinais de que temos um grave problema, um problema para aqui e agora. Nós, no âmbito do Poder Judiciário, lideramos um pacto pela transformação ecológica, com o Executivo e com o Legislativo, com uma série de obrigações para cada um dos Poderes, e o Congresso acaba de aprovar, em boa hora, a regulação do Mercado de Carbono. No Poder Judiciário, aprovamos uma resolução Justiça Carbono Zero, em que todos os 91 tribunais do país, sob jurisdição do CNJ, mais o Supremo, preveem que todos façam um inventário de suas emissões de carbono e apresentem ao CNJ um plano de redução de carbono e, no que não for possível reduzir, apresentar um plano de compensação de emissões. Esse é um compromisso de cada pessoa e instituição pela humanidade e sobrevivência de nossos filhos e netos. Este não é mais um tema político, e a questão ambiental começa a ser vista como uma questão de direito fundamental, e proteger o direito fundamental é competência do Judiciário. A proteção ambiental envolve também a proteção das minorias, incluindo as que nem nasceram e que vão ser impactadas por esse atual comportamento", afirmou.

O Procurador-Chefe do Centro de Estudos Jurídicos da PGE-RJ e Diretor da Faculdade de Direito da Uerj, Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, encerrou a mesa de abertura do seminário destacando a extraordinária reflexão do Ministro Luís Roberto Barroso. "O recorte temático deste evento foi desenhado pelo próprio Ministro Luís Roberto Barroso e pela professora Patrícia Perrone, abrangendo os problemas mais importantes da contemporaneidade. Além disso, o programa reuniu pessoas extraordinárias para falar sobre esses assuntos. Esse é um evento muito especial para a Procuradoria do Estado, que celebra os 90 anos da Casa e os 40 anos da Aperj. Agradeço o apoio da Aperj, na pessoa de sua presidente. Sairemos todos daqui melhores do que entramos", assinalou.

Evento segue ao longo do dia

As palestras do Seminário Grandes Temas do Direito Constitucional: Democracia, Clima e Novas Tecnologias seguem durante todo o dia. O painel "Democracia" conta com palestras de Kim Lane Scheppelea, Professora de Sociologia e Assuntos Internacionais da Universidade de Princeton; Irapuã Santana, Sócio do Escritório BFBM e Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SP; Flávia Martins de Carvalho, Juíza-Ouvidora do Supremo Tribunal Federal, e Estefânia Queiroz Barbosa, Professora do Doutorado em Estudos de Gênero da Università degli Studi di Palermo.

Já no painel "Clima e Meio Ambiente", falam Daniel Sarmento, Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Patrícia Perrone Campos Mello, Secretária de Altos Estudos do Supremo Tribunal Federal; Patrick Ayala, Procurador do Estado do Mato Grosso, e Eliane Moreira, Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.

Por fim, no painel "Constitucionalismo Digital", os palestrantes serão: Nate Persily, Professor da Faculdade de Direito de Stanford; Laura Schertel Mendes, Professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa e da Universidade de Brasília; Edilene Lôbo, Ministra Substituta Tribunal Superior Eleitoral, e Gustavo Binenbojm, Procurador do Estado do Rio de Janeiro.