A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) recebeu, nesta quarta-feira (24/04), a doação do retrato do escritor e historiador Octávio Tarquinio de Sousa, pintado por Candido Portinari, em 1943. A doação da obra de arte foi feita pelo neto de Octávio, Antônio Gabriel de Paula Fonseca, em cerimônia na própria biblioteca Octávio Tarquínio de Sousa, instalada no Centro Cultural PGE-RJ, no antigo Convento do Carmo.
O Procurador-Geral do Estado, Renan Miguel Saad, abriu a cerimônia saudando os presentes e agradeceu ao neto de Octávio Tarquinio de Sousa pelo gesto da doação da biblioteca e da obra de arte e apresentou o ex-Procurador-Geral do Estado Letácio Jansen para falar em nome da Procuradoria.
O ex-Procurador-Geral do Estado destacou que a cerimônia de doação do quadro de Portinari ocorre “sob o signo da continuidade e da permanência”. Lembrou que em 2010, quando a Procuradoria era comandada pela Procuradora Lucia Lea Guimarães Tavares, intermediou a doação da biblioteca de Octávio Tarquinio de Sousa para a PGE, em entendimentos com seu “compadre e amigo” Antônio Gabriel de Paula Fonseca.
Letácio Jansen anunciou que outro sonho de Antônio Gabriel é encomendar uma escultura de seus avós, que será exposta no Centro Cultural PGE-RJ. “Eu felizmente fui o intermediário dessas boas ações e eu acho que a PGE deve realmente muita gratidão ao Gabriel. Nós vivemos num mundo onde muita gente escolhe pessoas não gratas. O Gabriel, ao contrário, para a Procuradoria é uma pessoa grata”, celebrou o ex-Procurador-Geral do Estado.
Prêmio Octávio Tarquinio
O Procurador-Chefe do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) da PGE-RJ, Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, agradeceu a Antônio Gabriel e família pela doação e acrescentou que “nada melhor que essa biblioteca estar situada aqui no Convento do Carmo ao lado de onde ficava a biblioteca real”, referindo-se à chegada da família real portuguesa, com a rainha D. Maria I, que morou no Convento do Carmo.
O chefe do Cejur aproveitou a oportunidade para anunciar que o Centro de Estudos Jurídicos vai homenagear o escritor e historiador Octávio Tarquinio de Sousa, criando um concurso que levará seu nome e que premiará estudantes e profissionais do Direito com trabalhos que relacionem os temas inteligência artificial, historiografia e administração pública. “Se cada pessoa, como dizia Gonzaguinha, é a marca das lições diárias de outras tantas pessoas, nada melhor de nos deixar guiar nesse ambiente tão profícuo e tão inspirador que é a Biblioteca Octávio Tarquinio de Sousa”, afirmou Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho.
Poesia para a PGE
Ao final da cerimônia, Antônio Gabriel Fonseca de Paula lembrou que seus avós morreram em acidente aéreo em 1959, quando tinha 19 anos. “Com a perda de meus avós, a minha vida financeira ficou muito difícil. E mais difícil ainda foi não ceder à venda dessa biblioteca para sebos, atravessadores e até universidades dos Estados Unidos”, contou esclarecendo que manteve a biblioteca em seu poder até 2010, quando encontrou a parceria com a PGE por meio de seu amigo Letácio Jansen.
“Agora vamos completar esse local com um retrato a óleo do nosso grande pintor Portinari, que tenho a imensa satisfação de doar para que ele possa ficar na mesma morada dos seus livros como era antes de 1959”, comemorou Antônio Gabriel Fonseca de Paula. E, parodiando Carlos Drummond de Andrade, na dedicatória de seu livro “Claro Enigma” aos seus avós, homenageou a Procuradoria Geral do Estado:
Vai, meu avô // de mansinho, no rumo à cidade // chegando à PGE // entre os prédios coloniais // procura nesse casarão // os seus livros e de sua amada Lucia// não queiras outro destino// nem busque outra mansão.
Estiveram presentes à cerimônia, a ex-Procuradora-Geral do Estado, Lucia Lea Guimarães Tavares, o Subprocurador-Geral do Estado Joaquim Pedro Rohr, o Chefe de Gabinete, Maurício Gomes Vieira, o Procurador-Chefe da Procuradoria de Patrimônio e do Meio Ambiente, Rodrigo Mascarenhas, o Procurador-Assistente do Cejur, Rodrigo de Almeida Távora, o Procurador Luis Alberto Garcia de Souza, familiares de Antônio Gabriel e João Candido Portinari, familiar do pintor, entre amigos e convidados.
Retrato
Portinari recebeu a encomenda de pintar o retrato de Octávio Tarquinio de um grupo de amigos do escritor, que queriam oferecer um presente no dia de seu aniversário. Portinari pintou o retrato com o homenageado posando de modelo vivo, e só entregou a obra meses depois, no 7 de setembro de 1943, dia do aniversário de Octávio Tarquinio. Antes, Portinari exibiu a obra, junto com outros retratos, numa exposição no Museu Nacional de Belas Artes, em junho de 1943.
O retrato de Octávio Tarquinio se juntará à biblioteca que foi doada para a PGE-RJ em 2010 e que, em 2022, foi transferida para o restaurado Convento do Carmo, sede do Centro Cultural PGE-RJ, ocupando um espaço onde o ambiente original da biblioteca pôde ser reconstituído exatamente como o acervo estava na residência de Octávio Tarquinio de Sousa e de sua mulher, Lúcia Miguel Pereira, crítica literária e escritora, no Parque Guinle, em Laranjeiras.
Biblioteca
Octávio Tarquinio e Lucia Miguel Pereira integravam a elite intelectual do país nas décadas de 1920 a 50 e seu apartamento era muito frequentado por artistas, poetas, escritores e políticos. Nomes como os de Carlos Lacerda, Santiago Dantas, Antônio Candido, Cândido Portinari, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego, Manuel Bandeira, José Olympio, Rubem Braga, Sergio Buarque de Holanda, e Vinicius de Moraes, entre outros, frequentavam a residência.
O casal Octávio e Lucia tinham uma das mais completas e abrangentes bibliotecas particulares da época no Rio Janeiro. Suas estantes guardavam livros raros e de referência que chamavam a atenção de todos. Além disso, ela era o resultado da admiração que os intelectuais brasileiros nutriam pelo casal. Prova disso, é que cerca de um quarto dos livros do acervo possui dedicatória dos autores a Lucia, a Octávio ou aos dois.
- Um aspecto relevante para entendermos a importância do acervo de Octávio e Lucia é observarmos o processo de oferecimento dos livros que eram publicados. Os maiores nomes da literatura nacional ofertavam seus lançamentos ao casal, com dedicatórias que apontavam, em várias ocasiões, amizades sólidas. Nesse sentido, a biblioteca é também um testemunho sobre convivências”, observa Thiago Cirne, bibliotecário e curador das coleções especiais da PGE-RJ.
Dedicatórias
Uma das mais destacadas dedicatórias que o casal recebeu veio de Carlos Drummond de Andrade, que escreveu no seu livro “Claro Enigma” publicado em 1951:
Vai, meu livro, // de mansinho, no rumo de Laranjeiras; // chegando a Gago Coutinho, // entre as árvores faceiras, // procurando nos altos planos // a morada amiga e clara // de dois ilustres romanos // – Lúcia e Octavio –, gente rara, // gente de gôsto mais fino // e de melhor coração. // Não queiras outro destino // nem busques outra mansão. // A Lucia e Octavio Tarquinio, // afetuosamente, // Carlos Drummond // Rio, janeiro 1952.
O neto do casal, Antônio Gabriel de Paula Fonseca, conta em artigo publicado no site da Biblioteca, que outra dedicatória destacada foi de Monteiro Lobato para Lucia Miguel Pereira. “O pai de Lucia era um conceituado professor de medicina, o médico Miguel Pereira, que disse a célebre frase: ‘O Brasil é um vasto hospital’. Pegando o mote, Monteiro Lobato, em 5 de fevereiro de 1948, ofereceu suas obras completas acompanhadas das seguintes palavras:
“O Brasil é um vasto hospital com um lindo jardim na frente. Nesse jardim, uma flor de inteligência alta esplende: Lucia Miguel Pereira. Monteiro Lobato Presta a sua homenagem a esta flor alta com a oferta deste bloco de livros”.
Outra dedicatória de destaque, entre tantas, é de Manuel Bandeira. Antônio Gabriel lembra que Lucia fez, em 1943, “um excelente trabalho biográfico sobre Gonçalves Dias” e que mais tarde, em 1952, Manuel Bandeira publicou o que chamou de esboço biográfico do poeta maranhense, assim oferecido a ela e a Octavio:
“A Lucia, de cujo opulento atacado tirei este modesto varejo.
A Lucia e Octavio, tão queridos de Manuel. Rio 7.9.1952”